Quando se aplaca uma grande discórdia
Sempre resta alguma discórdia.
(Lao Tsé, Tao Te Ching)
Aconteceu durante um carnaval nos anos 1980, quando eu devia ter uns 7 ou 8 anos e minha mãe me levou à matinê. Por muito tempo, esqueci da história, mas uns anos atrás me lembrei dela e de como ela define bem um traço de minha personalidade no que diz respeito a conflitos.
Naquela época difícil, de vacas magérrimas, eu era pequeno, desnutrido, tímido e alvo fácil dos valentões da rua e da escola. Mas naquele dia não: vestido de Batman, era mais que um mini-folião, eu era o próprio herói, ainda que a versão bonachona da velha série de TV.
Já estava empolgando com tantas marchinhas, rindo e cantando o que considerava o melhor refrão que poderia haver para uma música (“eu mato! eu mato! quem roubou minha cueca para fazer pano de prato!“) quando dois meninos maiores chegaram na minha frente, apontaram o dedo e gritaram, gargalhando:
“- Super-homem fraco!”
Olhei para trás para ver com quem estava falando e ao perceber que era comigo pensei: “Que burros! Eu sou o Batman!”
Não dei bola, sai de perto e fui para outro canto do salão. Minutos depois, ouço de novo aquelas vozes chatas:
“- Super-homem fraco!”
Saí novamente de perto, inconformado com o tamanho da burrice ou da chatice da dupla. Fui para o canto mais remoto do salão.
Passaram-se mais alguns minutos, e os meninos se posicionaram à minha frente, bem pertinho de mim. O maior começou a gritar, ainda mais alto:
“Super-homem fraco! Super-homem… AAAAAIIIIII.”
Tomou uma bica na canela e caiu no chão.
Dancei sossegado o resto da matinê.