Sobre fobias, ódios, a banalidade do mal e o heroísmo de Luiz Carlos Ruas.
“…por trás de tudo isso, há um número brasileiro que se repete ano a ano sem que nada mude. O número, do qual Ruas provavelmente nunca ouviu falar e do qual agora faz parte, revela que 328 LGBTs morreram em decorrência da homofobia e transfobia em 2016
[…] O número, importante dizer, é considerado subestimado, já que as ocorrências que o compõe são apenas as que ganham repercussão na mídia.
[…] A cidade consegue viver o luto com Maria depois de assistir ao doloroso assassinato nas imagens captadas pelo Metrô. Mas muitas vezes deixa de se sensibilizar com outras mortes parecidas porque elas são só números, sem registro em vídeo da covardia que está por trás desses homicídios.
[…] É verdade que haverá quem questione a inclusão da morte de Índio na estatística – como as discussões nas redes sociais já começaram a mostrar. Mas isso não deveria entrar em questão. É que não é por acaso que as travestis agredidas estavam lá. Ao pedir para que os agressores parassem, foi a realidade delas, moradoras de rua, que o ambulante defendeu. Ao defendê-la, tornou-se parte dela própria.”
“Não sou uma má pessoa”, tentou argumentar Ricardo Martins, um dos seus algozes, quando chegava algemado à delegacia. A “cachaça”, segundo ele, explicaria o estado alterado que o levou, por instinto raivoso, a atacar quem o contrariou. Foi por instinto também que Ruas defendeu quem era mais vulnerável que ele. A tênue fronteira entre o ódio e o altruísmo lhe custou a vida.
André de Oliveira, em El País: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/12/28/politica/1482956825_817369.html