A ditadura – de esquerda, centro ou direita – produz de mortes e traumas diversos como torturarem crianças a crimes mais prosaicos, e ainda assim perigosos, como a censura à letra de uma música de Adoniran Barbosa. O mais incrível e digno de nota é o fator subjetivo levado em consideração para o veto: falta de gosto.
À parte a óbvia incapacidade do censor em entender a licença poética e irônica da música, ele impõe o seu gosto e visão pessoal do mundo sobre a obra de um artista consagrado, sobre a liberdade de expressão deste artista e, principalmente, sobre uma população.
A imposição de gostos, modos, condutas e pensamento, é tão perigosa quanto armas, especialmente quando baseadas apenas em fatores subjetivos.
Infelizmente, isto não acontece só em ditaduras oficiais ou institucionalizadas. Acontece todo dia e feito por pessoas como eu, você ou nossos vizinhos e colegas de trabalho.
Acontece todos os dias, quando um juiz confunde os limites entre crenças pessoais e leis, quando deputados, senadores, vereadores e outros legisladores fazem leis e políticas que seguem somente sua forma de pensar e atacam minorias.
Acontece nas propagandas, nos programas televisivos e imprensa, quando direta ou indiretamente, explicita ou implicitamente, te dizem o que comprar, o que fazer, o que vestir, o quanto pesar, como e com quem fazer sexo para tenha uma vida plena e feliz.
E, pior, acontece na maior parte das mensagens em redes sociais, sites pessoais, blogs e afins, onde todo mundo quer se mostrar mais entendido, mais sábio, mais bonito e impor seus gostos, conceitos, modos e condutas como o único correto e digno. Mesmo as pessoas que defendem minorias ou grupos prejudicadas, frequentemente tem o mesmo comportamento e esquecem do direito do outro existir, falar, defender uma idéia diferente, ouvir música “ruim” (“isto não é música” é frase corrente por aí), ou mesmo ser idiota.
Não é a toa que ainda se encontra muita gente defendendo a volta de uma ditadura do Brasil. Além de estarem com medo e desamparados em meio à violência, falta de controle e e uma zona de conforto, querem impor seu modo de vida ao resto da nação.
No fundo, parece que todos querem ser vistos como sábios e fazer parte da elite que dirige a vida alheia, pois sabe o que é melhor para o outro.
Então, na próxima vez que for comentar do gosto ou posições políticas e sociais de alguém e reclamar o seu direito de expressão, cuidado para que ditador na história não seja você.
Letras Censuradas na Ditadura – Adoniran Barbosa
Reprodução do texto de Rafael Gota para o Imagens Históricas – Histórias Reveladas, no Facebook
Letra censurada da música “Tiro ao Álvaro”, de Adoniran Barbosa, 1974.
Durante a ditadura, diversos músicos tiveram suas músicas censuradas. Antes mesmo do AI-5, artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara, Chico Buarque e Geraldo Vandré eram vistos como “perigosos” pelos militares. No entanto, a censura alcançou artistas que não necessariamente estavam envolvidos em movimentos de esquerda, ou com músicas de protesto, como, por ex., Adoniran Barbosa.
Conhecido como o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa usava em suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistas. Não querendo problemas com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já gravadas na década de cinqüenta. Inesperadamente, 5 delas foram censuradas, entre elas, “Tiro ao Álvaro”.
Na imagem, podemos observar que a funcionária responsável pela análise, escreveu “a falta de gosto impede a liberação da letra”. E ainda frisa as três palavras que, segundo ela, não deveriam estar presentes na música por não respeitar a forma gráfica correta.
Texto: Rafael Gota
Administração Imagens Históricas.Fonte: Arquivo Nacional, Fundo Divisão de Censura de Diversões Públicas
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